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Fernanda Bassette, Agência FAPESP
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Resumo
Em dois estudos científicos publicados recentemente, pesquisadores abordaram a influência de depósitos de gordura e quantidade de massa muscular sobre a sobrevida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço.
Usando imagens de tomografia computadorizada no nível da terceira vértebra cervical (C3), os pesquisadores constataram que pacientes com níveis mais altos de adiposidade e massa muscular preservada apresentaram sobrevida maior.
Os pesquisadores destacaram que os estudos mostram a importância da terapia nutricional precoce e abrem espaço para novas estratégias terapêuticas que considerem a interação entre músculo, gordura e câncer.
Foco do Estudo
Por que é importante?
O câncer de cabeça e pescoço engloba um grupo de tumores que podem se desenvolver em diferentes regiões, como boca, língua, faringe, laringe, seios da face e glândulas salivares.
Os tumores da cavidade oral (que incluem lábios, cavidade oral, glândulas salivares e orofaringe) representam o oitavo tipo de câncer mais comum no Brasil, afetando majoritariamente homens acima dos 40 anos – entre as mulheres, ele não figura entre os dez mais frequentes, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Embora o papel da obesidade como fator de risco para o desenvolvimento de diferentes cânceres já seja bem estabelecido na literatura, a influência do tecido adiposo depois que a doença está instalada ainda é um campo pouco explorado.
Estudo
Em dois estudos publicados recentemente, pesquisadores do Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera) – sediado no Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas (Hemocentro-Unicamp) – investigaram a relação entre adiposidade (depósito de gordura), muscularidade (quantidade de massa muscular) e sobrevida em pessoas com câncer de cabeça e pescoço.
“No câncer existe algo chamado ‘paradoxo da obesidade’. Sabemos que a obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de vários tipos de tumor, mas, em algumas situações, o tecido adiposo pode atuar como fator protetor quando o paciente já tem a doença instalada. Foi isso que observamos também no câncer de cabeça e pescoço”, detalhou a Dra. Maria Carolina Mendes.
O primeiro estudo do grupo de pesquisa foi publicado na revista científica Frontiers in Nutrition e analisou 132 pacientes com câncer de cabeça e pescoço localmente avançado. A equipe utilizou imagens de tomografia computadorizada no nível da terceira vértebra cervical (C3) para avaliar parâmetros de composição corporal, como o índice total de tecido adiposo e a quantidade de massa muscular.
No segundo estudo, publicado na revista científica Clinical Nutrition ESPEN, os pesquisadores também utilizaram a tomografia da região cervical C3 para mapear músculo e gordura de outro grupo de 101 pacientes com câncer de cabeça e pescoço metastático ou recorrente atendidos no Hospital de Clínicas da Unicamp.
O paciente com câncer de cabeça e pescoço é um dos que mais ficam desnutridos. Isso acontece porque, além das questões relacionadas ao tumor e ao tratamento em si, a doença afeta diretamente regiões ligadas à mastigação e deglutição, o que dificulta a ingestão de alimentos. Naturalmente, esses pacientes têm uma perda de peso maior, uma desnutrição mais acentuada e, por isso, são considerados de alto risco nutricional
Resultados
Os resultados do primeiro estudo mostraram que pacientes com níveis mais altos de adiposidade apresentaram risco reduzido de mortalidade em comparação aos com baixos índices de gordura: indivíduos com mais tecido adiposo tiveram mediana de sobrevida global de 27,9 meses, contra 13,9 meses entre os que apresentavam baixos índices – o dobro de tempo de sobrevida.
“Esse dado chama a atenção ao confirmar que pacientes com maior quantidade de gordura na região da C3 tinham sobrevida maior. Isso nos faz pensar na importância da terapia nutricional precoce. Se eu identifico logo no diagnóstico que o paciente tem baixa reserva de gordura, posso intervir de forma mais específica e talvez aumentar sua sobrevida”, explicou a nutricionista.
Os achados também mostraram que a preservação da massa muscular nesses pacientes se mostrou um fator protetor independente para a sobrevida global. Os autores constataram que pacientes com maior quantidade de massa muscular sobreviveram, em média, 22,9 meses, enquanto aqueles com baixa musculatura viveram 8,6 meses.
“Esses resultados demonstram claramente o impacto da composição corporal nesse grupo e a importância de avaliar também o tecido adiposo. Eles abrem novas perguntas para a ciência: qual o impacto do metabolismo do tecido adiposo no prognóstico desses pacientes? Será que conseguimos reverter esse quadro e aumentar a sobrevida dessas pessoas com suporte nutricional precoce? É esse tipo de investigação que norteia o foco do nosso laboratório”, destacou a pesquisadora.
No segundo estudo, os resultados mostraram que a baixa muscularidade esteve fortemente associada a piores desfechos clínicos. “Todos os indivíduos com baixa massa muscular morreram em até 24 meses de seguimento. Em contrapartida, alguns com maior muscularidade ainda estavam vivos após 40 meses. Isso reforça como ela pode ser determinante para a sobrevida”, destacou a Dra. Maria Carolina Mendes.
Juntos, os achados dos dois estudos chamaram a atenção para a necessidade de olhar o paciente como um todo e incorporar a avaliação da composição corporal no cuidado clínico. Segundo a pesquisadora, a avaliação pelas tomografias (que são realizadas como rotina) facilita esse tipo de análise, tornando-a acessível para grande parte dos pacientes oncológicos.
“A maioria dos estudos olha apenas para a musculatura. O diferencial das nossas pesquisas foi incluir também o tecido adiposo, e encontramos resultados muito relevantes. Entretanto, não é apenas a quantidade de gordura que importa, mas também seu metabolismo e como ele pode trazer informações valiosas durante o tratamento”, afirmou a nutricionista.
Na avaliação da pesquisadora, a contribuição desses estudos é significativa por abrir espaço para novas estratégias terapêuticas que considerem a interação entre músculo, gordura e câncer.
A ideia é reforçar o que já sabemos: acompanhar a nutrição é essencial. Mas, muitas vezes, isso acaba sendo negligenciado na prática. Queremos mostrar que a avaliação da composição corporal deve ser incorporada de forma rotineira, porque pode fazer diferença no tempo e na qualidade de vida desses pacientes
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Autores/Pesquisadores Citados
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Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a revista científica Frontiers in Nutrition (em inglês).
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Acesse também o resumo do artigo publicado na revista Clinical Nutrition ESPEN (em inglês).
Acesse a notícia original completa na página da Agência FAPESP.
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