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José Tadeu Arantes, Agência FAPESP
Publicação Original
Áreas
Resumo
Um dossiê formado por um conjunto de artigos científicos publicados recentemente na revista Frontiers in Water destacou vários problemas globais causados por contaminantes emergentes, tipicamente contaminantes agrícolas, farmacêuticos, cosméticos e relacionados a produtos de uso diário, como plásticos e antiaderentes.
Esses contaminantes, frequentemente não detectados e não excluídos pelos métodos tradicionais de tratamento da água, podem causar sérios problemas à saúde humana e ambiental.
Além dos contaminantes, os cientistas também destacaram os problemas de acesso à água e os novos desafios trazidos pelas mudanças climáticas nas próximas décadas, e sugeriram ações do poder público para o enfrentamento desta situação crítica.
Foco do Estudo
Por que é importante?
Com o crescimento da população, da urbanização e da atividade agroindustrial, o uso global de água doce deverá aumentar 55% até 2050.
A projeção dos cientistas é que essa escalada da demanda deve impactar fortemente um cenário já caracterizado pela escassez e distribuição desigual dos recursos hídricos, pela privatização de um bem essencial que deveria ser de domínio público e pela deterioração da qualidade da água, especialmente nos países em desenvolvimento.
Migrações forçadas, tensões sociais e conflitos militares decorrentes do déficit hídrico e as mudanças climáticas agravam ainda mais essa perspectiva. E os resultados já podem ser vistos hoje em dia.
Desde 2022, aproximadamente metade da população mundial experimentou grave escassez de água por pelo menos parte do ano, enquanto um quarto enfrentou níveis “extremamente altos” de estresse hídrico.
De acordo com um relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2024, 2,2 bilhões de pessoas viviam sem acesso a água potável gerida com segurança naquele ano.
Estudo
A revista científica Frontiers in Water publicou um dossiê reunindo cinco artigos sobre o tema ‘contaminantes emergentes em países em desenvolvimento’.
Geonildo Rodrigo Disner, pesquisador do Instituto Butantan e integrante do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP –, foi coeditor e autor principal do editorial de apresentação do dossiê.
Embora não sejam necessariamente novos, esses compostos passaram a ser detectados em concentrações e ambientes antes não registrados, gerando preocupação em toda a comunidade global. É o caso dos herbicidas diuron, usado principalmente nas culturas de cana-de-açúcar e algodão; glifosato, usado principalmente em lavouras de soja e milho; atrazina, usado principalmente nas culturas de milho e sorgo; e 2,4-D, usado no controle de plantas de folhas largas em pastagens e lavouras.
“Por não serem removidos pelos métodos convencionais de tratamento de água, esses poluentes acumulam-se nos ecossistemas aquáticos, podendo causar efeitos tóxicos, inclusive em concentrações extremamente baixas. Muitos atuam como desreguladores endócrinos, com impactos sobre a reprodução e o desenvolvimento de organismos — efeitos que podem se estender à saúde humana. A exposição é geralmente crônica, contínua e silenciosa. E muitos desses compostos se bioacumulam ao longo da cadeia alimentar, o que aumenta ainda mais os riscos à saúde”, explicou o Dr. Geonildo Disner.
O pesquisador lembra que tudo acaba na água. A água é o receptáculo final da maioria dos poluentes, inclusive daqueles liberados no solo ou no ar. Além disso, a água é um veículo de transporte, que carrega contaminantes mesmo para regiões onde nunca foram usados.
Os artigos reunidos no dossiê exploram os desafios e avanços recentes na identificação, monitoramento e avaliação de impacto dos contaminantes emergentes em países de baixa e média rendas.
Além de contaminantes convencionais, como os coliformes fecais, cuja presença está relacionada com o baixo índice de tratamento dos esgotos, a água doce dos países em desenvolvimento está sendo, cada vez mais, impactada por uma nova categoria de poluentes: os contaminantes emergentes. Estes incluem pesticidas de uso agrícola, aditivos de combustíveis, materiais plastificantes ou antiaderentes, medicamentos [como antibióticos, analgésicos e hormônios], produtos de higiene e cosméticos
Resultados
Um dos artigos, escrito por pesquisadores do Sri Lanka, investigou a presença de metais pesados na água subterrânea e no arroz cultivado localmente, associando a exposição à alta incidência de doença renal crônica. Outro estudo, de Bangladesh, analisou a qualidade da água engarrafada vendida comercialmente, revelando contaminação por arsênio e microrganismos patogênicos. Já um trabalho realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) avaliou os efeitos tóxicos do diuron e de seus metabólitos em peixes-zebra, modelo animal utilizado em estudos ecotoxicológicos.
Além dos contaminantes, a disputa por água já é uma realidade em algumas partes do mundo e tende a se intensificar nas próximas décadas. “A água está se tornando um recurso geoestratégico. E a privatização das fontes hídricas pode transformar esse bem em moeda de controle e poder. Estamos acostumados a falar da disputa pelo petróleo, mas a disputa pela água poderá ser ainda mais acirrada. A água precisa ser tratada como um direito. E não se trata apenas do acesso, mas também da qualidade. Garantir água potável de qualidade para a população é um dever do Estado”, enfatizou o pesquisador do Instituto Butantan.
Os autores do dossiê destacaram que a prevenção na fonte, o princípio da precaução e a remediação de áreas contaminadas são estratégias essenciais para conter a entrada de poluentes em ecossistemas aquáticos. Eles também defendem a criação de marcos regulatórios e programas de monitoramento voltados especificamente aos contaminantes emergentes, com o objetivo de proteger a saúde humana e ambiental.
Apesar dos riscos, a maioria dos contaminantes emergentes ainda não é monitorada regularmente, nem regulamentada por legislação específica. Em geral, os sistemas de tratamento removem apenas materiais grosseiros, como partículas em suspensão, parte da matéria orgânica e microrganismos
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