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Fernanda Bassette, Agência FAPESP
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Resumo
Motivados por estudos anteriores, pesquisadores investigaram o papel da Fusobacterium nucleatu, uma bactéria normalmente encontrada em baixos níveis na flora bucal de indivíduos saudáveis, sobre a evolução de tumores de cabeça e pescoço.
Os pesquisadores realizaram análise intratumoral a partir de material de arquivo parafinado – usado originalmente para diagnóstico – e aplicaram uma metodologia ultrassensível para detectar a presença da bactéria F. nucleatum no tecido tumoral. Os dados clínicos dos pacientes foram acompanhados ao longo de cinco anos.
O estudo permitiu concluir que a presença da bactéria F. nucleatum nos tumores estava associada a um prognóstico mais favorável.
Foco do Estudo
Por que é importante?
Estudos recentes têm demonstrado ligações entre desequilíbrios no ecossistema microbiano da boca e o desenvolvimento de câncer de cabeça e pescoço.
O câncer de cabeça e pescoço engloba uma série de tumores malignos que podem aparecer na boca, orofaringe, laringe, nariz, seios nasais, nasofaringe, órbita ocular, pescoço e tireoide. Uma pesquisa inédita sobre o panorama do câncer de cabeça e pescoço no Brasil, divulgada recentemente pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), mostrou que aproximadamente 80% dos casos diagnosticados no Brasil entre 2000 e 2017 foram identificados em estágios avançados, o que reduz significativamente as chances de sucesso no tratamento.
Entre as espécies do ecossistema microbiano da boca, tem tido destaque entre a comunidade científica a Fusobacterium nucleatum, uma bactéria normalmente encontrada em baixos níveis na flora bucal de indivíduos saudáveis.
A proliferação descontrolada da bactéria, no entanto, tem sido associada a doenças inflamatórias (como periodontite e outros problemas da cavidade bucal) e, mais recentemente, ao aumento do risco de desenvolver tumores malignos em outras partes do corpo.
Estudo
Recentemente, pesquisadores do Hospital de Amor e da Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB) estudaram a possível atuação da Fusobacterium nucleatum nos tumores de cabeça e pescoço, e descobriram que a presença da bactéria está associada a melhor prognóstico e maior sobrevida. Os resultados foram publicados na revista científica Journal of Oral Microbiology.
Com a liderança do Dr. Rui Manuel Reis, diretor científico do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital de Amor, os pesquisadores utilizaram uma metodologia ultrassensível (PCR digital) para detectar a presença da F. nucleatum no tecido tumoral. Para isso, os pesquisadores analisaram 94 amostras de pacientes com diferentes tipos de câncer de cabeça e pescoço tratados na instituição.
“Realizamos a análise intratumoral a partir de material de arquivo parafinado [conservado em parafina], que foi usado originalmente para diagnóstico desses pacientes”, explicou o Dr. Rui Reis. “Com as metodologias mais tradicionais, seria difícil identificar a presença dessa bactéria com a mesma precisão em material degradado, como o de parafina. No entanto, a técnica de PCR ultrassensível oferece uma alta confiabilidade e sensibilidade – até mesmo traços mínimos de DNA bacteriano podem ser detectados”, destacou.
O diferencial, segundo o pesquisador, foi detectar a bactéria dentro das células tumorais, um achado surpreendente. “Se analisarmos a saliva de uma pessoa, é provável que encontremos essa bactéria, já que ela está normalmente presente na cavidade bucal e compõe o biofilme dental. O que não se esperava, porém, é que ela estivesse localizada dentro do microambiente tumoral”, explicou o pesquisador.
Mais do que apresentar um resultado definitivo, este é um estudo pioneiro, que chama a atenção para a relevância dessa bactéria no contexto tumoral, e não apenas em doenças bucais
Resultados
Ao longo de aproximadamente cinco anos, os pesquisadores acompanharam os dados clínicos dos pacientes e constataram que a presença da bactéria F. nucleatum nos tumores estava associada a um prognóstico mais favorável. Ela foi identificada em 59,6% dos casos, com maior prevalência em tumores de orofaringe (62,1%) do que de cavidade oral (53,6%).
Pacientes cujos tumores apresentavam a bactéria tiveram sobrevida média de 60 meses, enquanto os demais viveram, em média, 36 meses. “Não esperávamos esse resultado, pois, em outros tipos de câncer, como o colorretal, a presença da bactéria costuma estar associada a maior agressividade e menor sobrevida”, comentou o especialista.
Apesar do achado promissor, os pesquisadores ainda não compreendem completamente o motivo dessa associação positiva entre a presença da bactéria F. nucleatum e o melhor prognóstico nos casos de câncer de cabeça e pescoço.
Uma das hipóteses é que a bactéria atue na regulação de fatores imunológicos, potencializando a resposta do sistema imune e, assim, tornando o tumor menos agressivo. “Ainda não temos essa resposta, mas vamos aprofundar as investigações. Esse será o próximo passo”, disse o pesquisador.
Outra linha de estudo buscará entender se a presença da F. nucleatum nos tumores pode influenciar a resposta às terapias, o que abriria caminho para abordagens mais personalizadas no tratamento desses pacientes. Se confirmada, a bactéria poderá se tornar um importante biomarcador para o prognóstico do câncer de cabeça e pescoço.
Essa bactéria está emergindo como uma importante moduladora no contexto do câncer e pode consolidar o uso do termo ‘oncobactéria’. Se for comprovado que ela participa da origem do câncer, antibióticos poderão até ser considerados como terapia complementar à quimioterapia e à radioterapia
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Autores/Pesquisadores Citados
Publicação
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