
Dr. Graham Knott e Dra. Melanie Blokesch, EPFL
Bactérias Vibrio cholerae, observadas a partir de microscópio eletrônico de varredura
Fonte
Nik Papageorgiou, EPFL
Publicação Original
Áreas
Resumo
Na Suíça, pesquisadores realizaram um estudo genético sobre cepas da bactéria Vibrio cholerae – envolvidas em surto grave de cólera ocorrido na América Latina no início da década de 1990 – para compreender seus mecanismos de defesa, especialmente bem-sucedidos, contra vírus bacteriófagos.
Os pesquisadores encontraram um ‘arsenal’ de defesa da bactéria, envolvendo vários mecanismos de defesa complementares, que permitiram a forte resistência das cepas durante aquele surto.
Esses resultados podem remodelar a forma como são abordados o controle, o monitoramento e o tratamento da cólera, ressaltando a importância da compreensão da dinâmica fago-bactéria no controle de surtos de doenças infecciosas.
Foco do Estudo
Por que é importante?
A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda causada pela bactéria gram-negativa Vibrio cholerae, geralmente transmitida por contaminação fecal-oral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Tendo como principal sintoma a diarreia grave, a cólera pode ser fatal devido à desidratação profunda e choque.
Atualmente, o mundo passa pela 7ª pandemia de cólera – iniciada em 1961 na Indonésia – com surtos eventualmente ocorrendo em diferentes países, principalmente na África e Oriente Médio.
Na América Latina, a pandemia de cólera se manifestou principalmente em um surto no começo da década de 1990: com origem no Peru, o surto infectou mais de um milhão de pessoas e também se espalhou pelo Brasil, onde teve mais de 60 mil casos registrados.
As cepas responsáveis por esse surto na América Latina pertenciam à linhagem da V. cholerae da África Ocidental Sul-Americana (WASA), mas os mecanismos pelos quais essa cepa causou um surto tão grande na América Latina ainda não foram totalmente compreendidos.
Compreender como as bactérias epidêmicas resistem à predação por vírus bacteriófagos (fagos) é importante, especialmente porque o interesse pela terapia fágica — o uso de vírus para tratar infecções bacterianas — ressurgiu como uma alternativa ao tratamento com antibióticos.
Estudo
Um novo estudo de pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, liderados pela Dra. Melanie Blokesch, revelou um segredo por trás da resistência de cepas da linhagem WASA da bactéria Vibrio cholerae, causadora da cólera.
O estudo, publicado na revista científica Nature Microbiology, mostrou que a linhagem WASA adquiriu múltiplos sistemas imunológicos bacterianos distintos que a protegeram de diversos tipos de fagos. E essa defesa pode ter contribuído para a escala massiva da epidemia na América Latina.
Os pesquisadores analisaram cepas WASA peruanas da década de 1990, testando sua resistência contra fagos-chave, especialmente o ICP1 — um vírus dominante que tem sido extensivamente estudado na área endêmica de cólera de Bangladesh, onde se acredita que contribua para restringir surtos de cólera. Surpreendentemente, as cepas peruanas se mostraram imunes ao vírus ICP1, enquanto outras cepas representativas da 7ª pandemia não têm essa resistência.
Nossa compreensão dos fatores subjacentes ao sucesso evolutivo de diferentes linhagens de Vibrio cholerae pandêmico permanece incompleta. A linhagem África Ocidental-América do Sul (WASA) de V. cholerae, responsável pela epidemia de cólera na América Latina entre 1991 e 2001, é definida por duas assinaturas genéticas únicas. Aqui, mostramos que essas assinaturas codificam múltiplos sistemas distintos de defesa antifágica
Resultados
Ao deletar trechos específicos do DNA da cepa da bactéria e inserir esses genes em outras cepas bacterianas para testar sua função, os cientistas identificaram duas principais regiões de defesa no genoma da cepa WASA: dentro do chamado prófago WASA-1 e da ilha genômica conhecida como ilha pandêmica II do Vibrio (VSP-II).
Essas regiões genômicas codificam sistemas antifágicos especializados que trabalham em conjunto para criar um sistema imunológico bacteriano capaz de se defender contra infecções por fagos.
Um desses sistemas, chamado WonAB, desencadeia uma resposta de ‘infecção abortiva’ que mata as células infectadas antes que os fagos possam se reproduzir, sacrificando algumas bactérias para salvar a população maior.
Essa estratégia é diferente dos sistemas imunológicos bacterianos clássicos, como os sistemas de restrição-modificação, que degradam o DNA do fago à medida que ele entra nas células. “Em vez disso, [essa estratégia] impede a replicação do fago, mas somente após ele já ter sequestrado a maquinaria celular da bactéria da cólera, efetivamente prendendo a bactéria infectada em um impasse — mas pelo menos o fago não se espalha”, afirmou o Dr. David Adams, autor principal do estudo.
Dois outros sistemas, chamados GrwAB e VcSduA, contribuem com funções protetoras distintas: o GrwAB ataca os fagos com DNA quimicamente modificado — uma estratégia empregada pelos fagos para camuflar seus genomas e escapar de outros sistemas imunológicos bacterianos. Já o sistema VcSduA atua contra diferentes famílias de vírus, incluindo outro ‘vibriófago’ comum, oferecendo proteção em camadas que amplia o espectro de resistência da população bacteriana.
Portanto, a linhagem WASA da bactéria da cólera abriga um arsenal diversificado de sistemas de defesa antifagos, o que lhe permite neutralizar uma ampla gama de bacteriófagos, além da proteção contra seu principal fago predador, o ICP1.
Se bactérias como a V. cholerae podem adquirir maior potencial de transmissão por meio de mecanismos de defesas virais, isso pode remodelar a forma como são abordados o controle, o monitoramento e o tratamento da cólera, ressaltando a importância da compreensão da dinâmica fago-bactéria no controle de surtos de doenças infecciosas.
Em suas publicações, o Portal SciAdvances tem o único objetivo de divulgação científica, tecnológica ou de informações comerciais para disseminar conhecimento. Nenhuma publicação do Portal SciAdvances tem o objetivo de aconselhamento, diagnóstico, tratamento médico ou de substituição de qualquer profissional da área da saúde. Consulte sempre um profissional de saúde qualificado para a devida orientação, medicação ou tratamento, que seja compatível com suas necessidades específicas.
Autores/Pesquisadores Citados
Instituições Citadas
Publicação
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a revista científica Nature Microbiology (em inglês).
Mais Informações
Acesse a notícia original completa na página da Escola Politécnica Federal de Lausanne (em inglês).
Notícias relacionadas

Escola Politécnica Federal de Lausanne