
Fonte
Maria Fernanda Ziegler, Agência FAPESP
Publicação Original
Áreas
Resumo
Com base no estudo longitudinal ELSA, pesquisadores analisaram dados de milhares de participantes no que se refere ao controle da glicemia e também ao declínio cognitivo em homens e mulheres idosos.
Foi observada uma queda mais acentuada no domínio cognitivo – principalmente referente às funções executivas – em mulheres idosas com níveis de hemoglobina glicada que indicavam descontrole glicêmico.
Mesmo que os resultados não tenham apontado alterações significativas em relação à perda de memória, os pesquisadores destacaram a importância do controle glicêmico para a manutenção do domínio cognitivo associado ao controle de emoções, ao planejamento, à realização de tarefas e ao pensamento.
Foco do Estudo
Por que é importante?
O diabetes é uma doença com forte impacto em diferentes órgãos, como os rins, olhos, músculos, nervos e cérebro. Isso porque o excesso de glicose no sangue facilita processos inflamatórios que podem levar à gangrena, amputação, insuficiência renal, comprometimento da visão e risco aumentado de doenças cardiovasculares.
No caso do cérebro, os processos inflamatórios podem acarretar atrofia, redução da quantidade de neurônios e alterações em áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal, relacionados a domínios cognitivos como as funções executivas.
Estudo
Pesquisadores analisaram como a glicemia – controlada ou não – influencia o declínio cognitivo em homens e mulheres idosos.
O estudo que envolveu pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), do Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP) e também da University College London (UCL), no Reino Unido.
Publicado na revista científica The Journals of Gerontology Series A, o estudo analisou os dados de 3.984 participantes com mais de 50 anos – sendo 1.752 homens e 2.232 mulheres – durante oito anos.
Os participantes integram o Estudo ELSA (acrônimo em inglês para Estudo Longitudinal Inglês do Envelhecimento), que coleta dados multidisciplinares de uma amostra representativa da população britânica e é conduzido pela University College London (UCL), no Reino Unido.
A pesquisa teve como primeira autora a pesquisadora Natália Cochar Soares, doutoranda em Gerontologia na UFSCar, e o Dr. Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar, como orientador da pesquisa e autor sênior do artigo científico.
O controle glicêmico foi avaliado por meio dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) no sangue – parâmetro que reflete a quantidade de açúcar circulante. Nos indivíduos com diabetes, a meta glicêmica é atingida quando os níveis de HbA1c estão entre 6,5% e 7%, o que caracteriza o adequado controle glicêmico. Já níveis de HbA1c acima de 7% correspondem a um pior controle glicêmico.
O declínio cognitivo pode ocorrer com o envelhecimento, como resultado de alterações no sistema nervoso central. Mas o que vimos no estudo é que ele se deu de forma mais acelerada em mulheres com diabetes e sem o controle adequado da glicemia. Entre os homens, não foi observada associação entre diabetes e declínio cognitivo, seja com glicemia controlada ou não. Isso mostra a importância de aprofundar o entendimento sobre como as doenças se dão de diferentes maneiras entre homens e mulheres e também, no caso do diabetes, sobre a importância do controle glicêmico adequado
Resultados
Natália Soares explicou que existem seis domínios cognitivos: função executiva, linguagem, atenção, memória, perceptomotor e cognição social.
No estudo, os pesquisadores observaram declínio na cognição global e na função executiva – associada ao controle de emoções, ao planejamento, à realização de tarefas e ao pensamento -, mas não encontraram prejuízos de memória, quase sempre associada ao declínio cognitivo.
“Isso foi um pouco surpreendente, pois geralmente o início do declínio cognitivo tende a ocorrer na memória e não foi o que aconteceu nos casos estudados. Há uma explicação fisiológica para isso: as estruturas cerebrais que vão ser comprometidas por conta das alterações vasculares inflamatórias do diabetes são as responsáveis pela função executiva e não pela memória. O diabetes afeta áreas cerebrais mais associadas às funções executivas, como o córtex pré-frontal”, explicou a pesquisadora.
“Uma possível explicação para a aceleração observada apenas em mulheres sem controle glicêmico adequado são fatores hormonais. O estrógeno é um neuroprotetor conhecido, mas durante a menopausa ocorre uma redução desse hormônio nas mulheres, o que pode acarretar maior vulnerabilidade”, continuou Natália.
“Mas há também fatores sociais. No estudo, os idosos britânicos tinham maior escolaridade que as mulheres. Sabe-se que a escolaridade contribui para que haja uma maior reserva cognitiva.[Mas] independente do motivo que leva a essa diferença entre homens e mulheres, os resultados chamam a atenção para a necessidade de um controle glicêmico adequado”, concluiu a primeira autora do estudo.
O professor Tiago Alexandre destacou que o prejuízo cognitivo ocasionado pela falta de controle adequado da glicemia em mulheres brasileiras pode ser ainda maior que o observado no estudo: “O estudo populacional foi realizado com pessoas idosas britânicas, mas acredito que no Brasil os dados poderiam ser um pouco piores do que o observado no Reino Unido por causa da questão da escolaridade. A média de escolaridade das pessoas idosas no Brasil é muito mais baixa que no Reino Unido e isso faz com que a reserva cognitiva, que seria um efeito protetor contra as lesões vasculares no cérebro, também seja menor”, concluiu o pesquisador.
… mostramos a importância do bom controle glicêmico para a cognição e mobilidade de pessoas idosas. Isso mostra a necessidade de um controle glicêmico mais rigoroso, independente da condição. Defendemos que o valor de HbA1c precisa ser mantido entre o 6,5%, que é o ponto de corte da normalidade, e o 7%, que é o bom controle da glicemia. O descontrole contínuo da glicemia pode gerar lesões a longo prazo nos vasos sanguíneos que resultam em uma série de problemas em diversos órgãos, inclusive de cognição e mobilidade.
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Autores/Pesquisadores Citados
Publicação
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